Como fui eu que comecei a dar trabalhos, acabei por ir tratar de vida e espreitar as Cortes Medievais Portuguesas.
Ao contrário do que referi, as cortes não são transcritas na íntegra, há apenas referências a temas, tratamento documental, etc. e a sua localização (e alguns excertos). Em todo o caso, não há problema, a colectânea que o João Pedro Ribeiro fez há quase 200 anos há-de estar disponível algures.
Não encontrei as célebres queixas (estarão nos textos originais), e muito menos qualquer referência aos YY pequenos, mas há dados monetários (nomeadamente taxas de actualização de valores e mesmo alguns preços) que são relevantes, ainda que um pouco off-topic aqui
Começando logo em Coimbra, 1385: referência à imposição do curso forçado da nova moeda.
Coimbra, mas agora em 1394: actualização de valores: 5£ novas por cada £ antiga.
Guimarães, 1401: valores sobem para 15£ novas por cada £ antiga (isto é referido no contexto dos abusos feitos por alguns funcionários tributários que cobravam 20 e 30 £ por cada antiga.
Lisboa, 1410 - os rendeiros dos dízimos (em gado vivo) da Igreja eram obrigados a receber os ajustes em dinheiro (quando não coincidia com o valor de um animal inteiro) em "moeda nova" e proibidos de aceitar "moeda antiga".
Em termos de valores/preços, há uma curiosidade nestas cortes: quem matasse lobos, podia levar o animal às câmara do seu concelho e receber um prémio. O preço por cado lobo morto, é taxado, nestas cortes, em 100 reais (será o real cruzado?), uma ninhada, independentemente do número de crias, valia o mesmo.
Este excerto é das cortes de Santarém, 1418. Obrigação de aceitação de moeda (qual? a de 1415? ou as que terão sido cunhadas em 1417 na actulização dos 3,5£?), excepto se for em ferro ou pelter (vou ter que verificar isto, mas tenho ideia de ser algo relacionado com couros/peles de animal).
Nestas mesmas cortes (Santarém, 1418) há uma referência interessante face aos câmbios de moeda antiga e nova: os senhores são proibidos de cobrarem 400 ou 500 £ por cada libra antiga. Ora, estes abusos apontam para uma actualização dos valores que será inferior a 400£, mas não há-de ser muito mais baixo que isso, o que é incrível, face às 15£ de 1401. Imaginem o euro de 2002 desvalorizar na mesma proporção.
Este excerto é das cortes de Santarém de 1430 (12 anos depois das anteriores). Acho que esta imposição é eloquente, bem como a referência a moeda de ferro e pedra (estava lindo aquilo) que andaria no giro.
Nestas cortes há ainda um dado curioso: os testamentos que envolvessem valores até 50.000 £ podiam ser simplesmente jurados, não precisavam de despesas de tabelião e selos. O que significa que 50.000£ era considerado um valor baixo.
(curiosidade sobre controlo de qualidade da fruta, também de 1430, Santarém)
Este excerto é das cortes de Leiria-Santarém de 1433. Já não são de D. João I, são sim as cortes de juramento de D. Duarte. São muita extensas, mas também muito interessantes. Aqui é uma referência à cunhagem da moeda do novo rei, com dados adicionais muito ricos: sobre concessões e sobre o entendimento sobre a necessidade cunhar moeda fraca, para que não se escoe para o estrangeiro. Os leais terão aparecido depois destas indicações (as cortes são do final do ano - Novembro-Dezembro).
Preços curiosos: o rei indica que as viúvas dos besteiros deveriam receber apenas a besta do marido (salvo seja
), independentemente do estado em que estivesse (a besta
). No caso da arma não aparecer, havia direito a um valor pecuniário, que é descrito em 200 reais brancos, portanto, o preço de avaliação (talvez por baixo) de uma besta usada.
Outro dado (à parte) interessante: é indicado que os livros de contos dos concelhos sejam queimados, assim que as dívidas lá anotadas sejam saldadas. Mais uma vez, compreende-se a falta de material documental (já o víramos a propósito do documento de anulação das concessões, de 1402).
Preços e noção de valores: ainda em Leiria-Santarém 1433 - os casos judiciais que envolvam valores até 20.000£ não têm direito a apelo (recurso diríamos agora), ou seja, 20.000£ era um valor menor. Ao mesmo tempo, se os valores forem apenas até 5.000£, o julgamento deveria ser sumário, para não empatar os senhores juízes com ninharias.
Resumidamente foi isto que recolhi, balizando as cortes até à morte de D. João, mas achei importante introduzir as primeiras cortes de D. Duarte, em todo o caso.
(o trabalho está editado, tive foi a oportunidade, na "alma mater", que fica a caminho de minha casa, de poder consultar o trabalho original, com as correcções das gralhas, entregue pelo prof. Armindo em 1987)