Temas para reflexão (2ª VERSÃO EDITADA E ILUSTRADA)

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Augusto Mouta
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Temas para reflexão (2ª VERSÃO EDITADA E ILUSTRADA)

#1 Mensagem por Augusto Mouta » quinta set 11, 2008 2:26 am

Os Ceitis dominam largamente o forum, e Luís Nóbrega em particular tem tido um labor imenso ao ajudar a organizar as colecções de ceitis de muita gente (eu incluído).
E em 2º lugar vêm os Dinheiros. No domínio, da discussão da numária da 1ª Dinastia, foram trocadas opiniões muito interessantes, por vezes acaloradas, que "agitaram as águas" sem se ter chegado a conclusões, e sem que ninguém tenha alterado substancialmente as ideias que trouxe à discussão.
Esta mensagem volta a mexer no assunto, com novas achegas e algumas ideias que vão por vezes contra a corrente, elaboradas por Numismatas respeitados e consagrados.

1º TEMA: Os morabitinos B
Segundo as palavras de Mário Gomes Marques no II Congresso Nacional de Numismática, a Casa da Moeda autorizou a recolha de dados no Museu Numismático Português relativos à colecção de morabitinos.
Mário Gomes Marques e o Eng. Peixoto Cabral procederam "a análise, por espectrometria de fluorescência de raios X, dos onze morabitinos daquela instituição".
Desta análise, resultou que a liga utilizada no fabrico do morabitino B era da utilizada no fabrico de moedas de ouro do séc. XIX, e "difere significativamente das usadas para o fabrico dos morabitinos de autenticidade quase indiscutível". "Assim, parece razoável concluir que o estudo analítico efectuado fornece um elemento objectivo que depõe contra a genuidade (sic) da peça em causa e que sugere que a sua feitura teve lugar no séc. XIX, com ouro obtido a partir de moedas então correntes".
E prossegue: "Julgamos que este dado vem confirmar a afirmação do conselheiro Vargas, mencionada por Batalha Reis, de que os morabitinos de Braga haviam sido forjados pelo gravador Manuel Granadeiro, de Viseu, por encomenda de Amaral do Toro". Batalha Reis já o havia dado à estampa no seu livro sobre os morabitinos, citado mais tarde por Ferraro Vaz na sua obra sobre a "Numária Medieval Portuguesa". Portanto, o assunto do morabitino "de Braga" parece arrumado há muito.

2º TEMA: Quantas Casas da Moeda houve até D. Aonso III, e onde funcionaram?
O Eng Francisco Costa Magro, o celebrado autor da obra de referência "CEITIS", apresentou ao Simpósio "Problems Of Medieval Coinage In The Iberian Area", em Aviles, 1986, (infelizmente todo em inglês) um trabalho de investigação intitulado "Considerations For Working Hypotheses On The Billon Coins Of The First Four Kings Of Portugal".
Na abertura deste trabalho, apresenta 8 perguntas que sintetizam as preocupações dos investigadores e passo a citar (desculpem não traduzir):
"a) How should the coin-types which have been identified be attributed to the different kings?
b) What was the chronological seriation of the coin-types within each reign?
c) How should the different coin-types be classified in terms of denomination?
d) What weight-standards were adopted for the denomination or denominations which were struck during each reign?
e) What were the compositions of the alloys used?
f) How many mints operated?
g) What localities did the rulers choose to establish mints?
h) For how long did each mint operate?
i) What coin-types did each mint produce?"
O trabalho apresentado "apenas" pretendeu dar resposta às questões c, d, f, g e h.
Desde logo anunciou ter efectuado estudos sobre algumas centenas de peças dos reinados em questão e avançou com várias ideias, entre as quais destaco as seguintes:
1 - A sua concordância com o princípio de "renovationes monetales" aproximadamente de sete em sete anos até 1260, conforme tinha sido avançado por Gomes Marques, o que implicaria que o número de tipos cunhados por cada Rei se poderia obter dividindo os anos do seu reinado por 7, mais um tipo correspondente ao primeiro ano de reinado. A tipologia encontrada por Ferraro Vaz aproxima-se em número de tipos dos obtidos segundo aquela "regra".
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2 - Foram encontrados elevados coeficientes de variação nos pesos das moedas que sugeriam que a "população monetária" estudada não era homogénea. Assim, estudou em separado os numismas que apresentavam variações acima dos 25% relativamente aos outros tipos. Encontrou para os três primeiros Reis tipos bem identificados que definiu como Dinheiros, no caso de D. Afonso Henriques cerca de 263 no marco, e outros muito mais leves, no caso do mesmo Rei, cerca de 386 no marco. Considerando que se observava a mesma relação no seu sucessor, a hipótese de "quebra" ou desvalorização é "extremamente improvável", pois era independente da progressiva redução em peso ao longo destes reinados´, e não atribuível a deficiente controlo de qualidade.
Assim, estes números sugeriram que tanto Sancho I como Afonso II também cunharam, em paralelo com os Dinheiros, moedas mais leves com o mesmo desenho. Estas moedas mais leves seriam provavelmente as famosas Mealhas.
D. Sancho II, segundo estes estudos, não teria produzido estas moedas mais leves, mas apenas Dinheiros (a alteração de atribuições de D. Sancho I para D. Sancho II veio alterar um pouco esta análise mas não invalidá-la).
Esta questão levanta por si mesma duas outras: Porque razão estas moedas pesam mais de metade dos Dinheiros? E como as diferenciavam as pessoas no uso diário?
A solução do problema estaria, segundo o Eng. Francisco Magro, na análise química à liga. A liga dos Dinheiros era superior em valor à das moedas mais leves. Assim, não é possível estabelecer uma relação estrita valor / tamanho / peso porque o teor em prata dos Dinheiros é de facto superior ao da moeda mais pequena, mais pobre em liga.
Quanto à diferenciação, ainda não há resposta para a questão.
3 - Na definição das Casas da Moeda, ele enuncia as velhas teses quanto à existência de três Casas de produção, mas com uma variante: desde logo descarta Braga, referindo que a concessão feita ao prelado por D. Afonso Henriques não é a "jus moneta" nem a "jus cunni", mas apenas a declaração "concedo... monetam", que no seu entender poderia corresponder ao direito de cobrar imposto, mas não especificamente de cunhar moeda. Assim, o famoso documento de 1128 não poderia ser usado como suporte da teoria da existência de uma Casa em Braga. Isso de resto já havia sido posto em causa pelo Monsenhor Augusto Ferreira em 1928, em documento citado por Ferraro Vaz na "Numária Medieval".
Por outro lado, considera que D. Afonso Henriques apenas teria cunhado moeda com o título rex, e somente após 1140, o que diverge daqueles que consideram ter cunhado com o título de conde.
Francisco Magro considera que as localidades com maiores probabilidades de terem sido sede da primeira Casa são Braga e Guimarães, por Coimbra se encontrar então demasiado exposta e as outras localidades não terem a mesma proximidade à sede do poder. Não existindo provas que permitam uma definição decisiva, Francisco Magro inclina-se para a hipótese de ter sido Guimarães, e não Braga (francamente também eu).
O autor dá uma pista referindo um documento do reinado de D. Afonso V no qual é referido que o corregedor de Entre-Douro-e-Minho usou uma velha casa da moeda como prisão(!) e que uma pesquisa nesse sentido poderia dar os seus frutos, mas ele próprio não seguiu esta linha de investigação.
Analisando a sucessão de eventos militares, apenas após 1147 poderia ter sido estabelecida uma Casa da Moeda em Coimbra, embora a primeira referência a ela apenas surja no reinado de D. Sancho I, sendo então Diogo Dias o seu capitam. Esta casa operou até ao Reinado de D. Afonso III, tendo sido os apetrechos transferidos em 1270 para Lisboa, não havendo registo de produção entre 1261 e 1270.
Quanto à casa de Lisboa: Gomes Marques analisou a presença no reinado de D. Sancho II de dois tipos diferentes na legenda do anverso, REX SANCIVS ou REX SANCIV, e SANCII REX, e sugeriu que esta última forma que corresponde igualmente a moedas de menor qualidade, teriam sido produzidas sob a autoridade de Afonso, futuro D. Afonso III, entre 1246 e 1248. Francisco Magro aceita esta tese, e crê que a Casa de Lisboa foi estabelecida em 1246, porque o procurator Afonso aparentemente não detinha autoridade sobre Coimbra. Nesta última casa foram produzidos os primeiros Dinheiros Novos, a partir de Novembro de 1260 até Abroil de 1261, data em que as pressões sociais o forçaram a interromper a produção. A Casa de Coimbra foi assim fechada, os apetrechos guardados no Mosteiro de Santa Clara e posteriormente, como foi referido atrás, transferidos para Lisboa em 1270, para reactivar e ou reforçar a produção de Dinheiros Novos, passando Lisboa a partir dessa data a ser a única Casa da Moeda em território nacional por cerca de cem anos.
Este trabalho beneficia com a leitura do elaborado pelo Eng. Paulo de Lemos a respeito da atribuição de séries de Tipos a Casas da Moeda específicas.

3º TEMA: Atribuição de Dinheiros
Mário Gomes Marques e Giles Carter efectuaram uma apresentação conjunta relativa à metrologia e à composição química dos Dinheiros Portugueses ao mesmo Simpósio de 1986, com o título "On The Metrology And Chemical Compsition Of Portuguese Dinheiros".
Os AA começam por distinguir rigorosamente os variados Tipos de Dinheiros deste período, seriados de I a XIII, com alguns sub-tipos, e DN (Dinheiro Novo).
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Após explanarem no texto reflexões acerca da variada tipologia, os AA discutem a questão das denominações, as referências de Fernão Lopes e respectivas contradições com as provas existentes.
Desde que foram emitidos os Dinheiros Novos, ou Alfonsis, os outros passaram a ser designados Dinheiros Velhos. Estes últimos são os que nas análises apresentaram as maiores variações, em parte motivadas por um reduzido controlo de qualidade, que teve consequências ao nível das variações de módulos e de liga metálica.
Quanto à distinção entre Dinheiros e Mealhas, desenvolvem uma discussão muito interessante em relação às consequências da eventual decisão de fazer uma moeda com metade do valor do Dinheiro. Esta moeda deveria ter algum volume para poder ser convenientemente manuseada, o que teria como consequência que os produtores teriam sido conduzidos a diminuir a liga.
Segundo os AA, a análise da liga deveria ser a via para distinguir Dinheiros e Mealhas. Neste domínio, os AA referem que os Numismatas infelizmente não são geralmente cuidadosos em relação a este problema, pelo que as classificações disponíveis se baseiam apenas em Pesos e Diâmetros, e deviam também incluir as ligas.
Elencam, então, as classificaões anteriores (Aragão e Vaz) e respectivas divergências. As dificuldades subsistem nas moedas anteriores ao reinado de D. Afonso III.
As atribuições de Vaz, Aragão e outros foram fundamentadas em achados e em considerações tipológicas. Daí decorrem a natureza controversa de algumas atribuições e a subsistência de muitas dúvidas, por as conclusões não estarem firmemente fundamentadas, embora sejam geralmente aceites.
O estudo adianta, ainda, que as análises químicas não destrutivas a 72 moedas fornecem informação interessante acerca da composição das peças, nomeadamente a emissão por D. Fernando de Dinheiros de cobre quase puro.
Os Dinheiros Novos de Afonso III a D. Pedro I foram produzidos segundo padrões muito próximos, e os de D. Fernando segundo um padrão inferior a todos os outros. No caso de D. Afonso III confirmou-se o respeito do monarca pelo compromisso assumido de não quebrar a moeda, pois a produção mantém padrões estritos de dimensões e liga, o que comprova a implementação pelo monarca de um estrito controlo de qualidade.
É discutida a célebre divergência entre Aragão e Vaz quanto aos Dinheiros que seriam de D. Sancho I e D. Sancho II (recentemente os revisores do Catálogo "Alberto Gomes" alteram a atribuição dando razão póstuma a Aragão), cuja argumentação era meramente tipológica e considerada não convincente pelos AA.
A diferenciação entre Dinheiros e Mealhas deste período sobretudo no Tipo X é hipotética e é difícil ver como se passariam as coisas na vida quotidiana.
Recorde-se que o Tipo X foi o que "saltou" no "Catálogo do Alberto Gomes" da numária de D. Sancho I (Tipos 02 e 04) para a de D. Sancho II (Tipos 01 e 02).
Os baixos padrões de fabrico do Tipo X dos AA, não facilitam uma opinião acerca da genuinidade dos espécimes com baixo conteúdo de prata. O que sugere a possibilidade de se encontrarem numismas não autênticos. Esta hipótese não tem sido, a meu ver, devidamente tida em conta e mereceria um aprofundamento.
Os AA referem, ainda que os achados e considerações tipológicas permitem uma atribuição virtualmente incontroversa dos Tipos VI-B (actual AG S1 Tipo 03) e VII (actual AG S1 Tipos 01 e 02) a D. Sancho I, mas na sua opinião não é possível efectuar uma atribuição em bases firmes do Tipo VI-B (AG A2 Tipo 01) a D. Afonso II, pois segundo os AA poderá ser de D. Afonso I.
Então avançam com uma hipótese relativa às atribuições: ou a) o Tipo VI-A (A2 01) pode ter sido uma Mealha batida por D. Afonso I, ou b) o Tipo VI-B teria sido um Dinheiro batido segundo um padrão muito inferior ao do Tipo VII (S1 01 e 02) e neste caso teria sido o primeiro Tipo a ser batido no reinado de D. Sancho I. A ser verdadeira a hipótese a), o Tipo VI-A seria de D. Afonso I, e a ser verdade a b) o Tipo VI-A seria de D. Afonso II. Isto não me pareceu muito claro, mas merece igualmente um aprofundamento.
De qualquer modo na opinião dos AA a análise mostrou que dado o seu conteúdo em prata o Tipo VII (actual S1 01 e 02) seria Dinheiro e não Mealha.
O estudo mostrou assim que se mantêm diversos problemas não resolvidos. Em particular agumas das atribuições geralmente aceites podem não ser as correctas.

4º TEMA: Quais são os Dinheiros feitos por cada uma das Casas da Moeda?
O Eng. Paulo Ferreira de Lemos, numismata bem conhecido, efectuou um interessante estudo quanto à atribuição dos variados Tipos de Dinheiros às respectivas oficinas de fabrico, que apresentou no II Congresso Nacional de Numismática.
Este estudo baseia-se na numeração do Ferraro Vaz, mas vou tentar "traduzir" quando possível.
Segundo a sua análise, os Tipos podem ser separados por aspectos diversos que conduzem a uma seriação por data estimada de fabrico, e agrupados por Casa segundo considerações tipológicas, e avança a seguinte proposta:
- 1º Grupo, Tipos produzidos em "Braga" ou Coimbra: Afonso I 04 (FV 05), Sancho I 03 (FV 09), Afonso II 01, 02 e 03 (FV 09, 12, 10, por ordem cronológica), Sancho II 03 a 05, e 13 a 18 (FV 02 e 06).
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- 2º Grupo, produzido em "Braga" ou Coimbra: Afonso I 02 (FV 03), Sancho I 01, e 02 (FV 11), Sancho II 01 (FV 07) e 02 (são o Tipo X do Gomes Marques, que saltaram. Neste trabalho Paulo de Lemos propõe a atribuição deste Tipo a D. Sancho II)
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- 3º Grupo, Tipos produzidos em Lisboa: Sancho II FV 38, 43, 29, 23, 19 (por ordem cronológica), Afonso III Tipos 12 e 46.
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Constata-se que há concordância entre este trabalho e o do Francisco Magro a que se aludiu atrás. Apenas diferem na localização da primeira Casa, que um atribui a Guimarães e o outro segue a "tradição" (que tem pés de barro) e refere Braga.
A ideia de uma atribuição directa de um Tipo de Dinheiro a uma Casa, embora ainda insegura, fora já abordada por outros Autores, mas sem proporem uma seriação concreta, como fez Paulo de Lemos neste trabalho.

Espero que tenham achado as ideias destes nossos "mestres" interessantes, apesar da mensagem ter sido extensa e editada para maior clareza.
Que vos parecem em especial as opiniões do Francisco Magro, do Gomes Marques ou do Paulo Lemos? E as pistas de investigação que eles abrem?

AM



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numisiuris
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Re: Temas para reflexão (2ª VERSÃO EDITADA E ILUSTRADA)

#2 Mensagem por numisiuris » sexta abr 14, 2017 2:52 am

Dei hoje com este texto, de 2008, que é um trabalho extraordinário. Parabéns ao autor!

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