Fotografias de moedas - Regime jurídico

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numisiuris
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Fotografias de moedas - Regime jurídico

#1 Mensagem por numisiuris » domingo jul 16, 2017 4:01 am

A propósito de uma questão que se levantou num post do facebook, partilho com vocês a ideia que tenho acerca do assunto. Desculpem a exaustividade, mas copiei e colei o que puliquei no facebook, contestando e renunciando expressamente à réplica e, como proferiram as seguintes asserções que ora reproduzo, achei por bem a delonga:

1-"Quando alguém tem dúvida se uma moeda é verdadeira pode enviar "secretamente" para alguém avaliar, nunca pode publicar uma foto de outrem, pois isso é crime."

2-"Imagine que eu tirava a sua foto de perfil e a publicava num site para identificar pedófilos, assassinos e etc... Acho que você não é nada disso e por isso não deixava, mas no entanto esse site tem fins pedagógicos e até científicos como disse em cima!"

3-"Só a policia e o ministério público pode colher imagens e filmar sem consentimento dos envolvidos. Isso que você diz não existe, porque isso seria uma grave lacuna!"

4-"E de qualquer forma a conversa que nos trouxe aqui foi porque alguém expôs uma foto que não era dele e fê-lo para fins científicos e pedagógicos, ó meu amigo! Eu já estou farto desta conversa, vou ficar por aqui, quem quer morrer ignorante que o faça, porque o saber só está ao alcance de quem o busca!

5-"Contudo o jovem que publicou aqui estas duas fotos, foi de uma forma honesta, inócua e queria acima de tudo esclarecer se a moeda era genuína, eu compreendo-o, mas ninguém pode tirar fotos a outrem sem o consentimento do autor. Até vou mais longe, ele sem querer (jugo eu que foi sem querer) incorreu em dois processos crime 1ª tirou a foto sem consentimento, 2º tirou a marca de água lesando a página, onde ela estava e o terceiro processo crime pode ir para o administrador desta página por consentir fotos roubadas! Eu não estou a julgar o acto de expor uma moeda falsa (até acho isso bem), eu estou a julgar é o roubo de propriedade alheia e faça-o porque tenho centenas de artigos expostos na internet e já fui vítima desse esquema. Imagine que tem que estar num sítio daqui a 10 minutos e por isso vai andar a mais velocidade do que é permitido, os fins podem justificar os meios, mas está em transgressão, é mais ou menos isso que se passou aqui. NÃO PODE COLOCAR FOTOS ALHEIAS, ASSIM COMO NÃO PODE ANDAR A MAIS VELOCIDADE. Entende?"


Vamos agora ao que interessa, esquecendo tudo o que seja ofensivo da intimidade da vida privada. Fotos de pessoas, vídeos de pessoas, gravações de conversas telefónicas... Parece até absurdo falar neste tipo de fotos, mas apenas quero deixar bem claro que tudo isso diz respeito ao domínio dos direitos de personalidade, regulados na parte geral do Código Civil.

Falando de fotos que não exponham a intimidade da vida privada, podemos recorrer ao Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, aprovado pelo decreto-lei 63/85 de 14 de Março e com a versão que lhe foi dada pela lei 36/2007 de 14-06. Encontram-no no site da Procuradoria Distrital de Lisboa, com a vantagem de se ter a certeza de que está actualizado e com a hipótese de consulta das versões mais antigas. Segue o link:

http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra ... tabela=lei

Não existe qualquer legislação do domínio do direito penal que preveja esta conduta (a partilha de fotos de moedas). Não existe qualquer legislação civil, para lá do código indicado, que preveja a mesma conduta. Caso alguém conheça alguma destas disposições, que ma indique, após o que prontamente concederei em lhe dar razão.

Começando a esmiuçar as coisas (única maneira de as perceber), diga-se que o Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos foi naturalmente criado para proteger "direitos de autor e todos aqueles que com eles se relacionem intimamente". Uma leitura atenta do preâmbulo é uma ferramenta valiosíssima para perceber a "ratio legis" das disposições do código e necessária se torna para o interpretar nos termos do artigo 9º do código civil, regra geral de direito no que toca à interpretação das normas jurídicas:

"1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."

O elemento teleológico, o elemento histórico, a ideia de unidade do sistema jurídico... Vem tudo daqui. Os axiomas... Bate tudo certo, seja a lei bem feita.Mas interpretá-la não é tarefa fácil...

Isto tudo para perceber o que são direitos de autor. Cada norma protege um ou vários interesses diferentes. O Código dos direitos de autor, protege os direitos de um autor, desculpem a tautologia...

Algumas frases do preâmbulo que interessam na interpretação dos conceitos deste código:

"O novo Código remodela e aperfeiçoa a legislação anterior quanto à gestão de direitos de autor, aos vários contratos que têm por objecto a utilização e exploração das obras literárias ou artísticas"

"Teve-se sempre presente, ao elaborá-lo, a necessidade de assegurar o melhor equilíbrio possível entre os autores e utilizadores das suas obras. A indispensável protecção dos direitos de autor não pode exercer-se em detrimento dos legítimos direitos e interesses de editores, produtores, realizadores e radiodifusores nem dos utentes em geral, pelo que não se deve, ao assegurá-la, perder de vista o interesse público."

"O intérprete e o executante têm, sem dúvida, uma interpretação criadora, digna de protecção. Mas como esta criação se insere necessariamente noutra - a do autor da obra interpretada ou executada -, a protecção outorgada àqueles não pode em nada prejudicar a protecção dos autores desta."

"O novo Código toma também em consideração a Convenção de Genebra para Protecção dos Produtores contra Reprodução não Autorizada dos seus Fonogramas, de 1971."

Vamos seguir para as disposições do código:

Âmbito de aplicabilidade:

TÍTULO I
Da obra protegida e do direito de autor
CAPÍTULO I
Da obra protegida

Artigo 1.º
Definição
1 - Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores.
2 - As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código.
3 - Para os efeitos do disposto neste Código, a obra é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração.

Artigo 2.º
Obras originais
1 - As criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo, compreendem nomeadamente:
a) Livros, folhetos, revistas, jornais e outros escritos;
b) Conferências, lições, alocuções e sermões;
c) Obras dramáticas e dramático-musicais e a sua encenação;
d) Obras coreográficas e pantomimas, cuja expressão se fixa por escrito ou por qualquer outra forma;
e) Composições musicais, com ou sem palavras;
f) Obras cinematográficas, televisivas, fonográficas, videográficas e radiofónicas;
g) Obras de desenho, tapeçaria, pintura, escultura, cerâmica, azulejo, gravura, litografia e arquitectura;
h) Obras fotográficas ou produzidas por quaisquer processos análogos aos da fotografia;
i) Obras de artes aplicadas, desenhos ou modelos industriais e obras de design que constituam criação artística, independentemente da protecção relativa à propriedade industrial;
j) Ilustrações e cartas geográficas;
l) Projectos, esboços e obras plásticas respeitantes à arquitectura, ao urbanismo, à geografia ou às outras ciências;
m) Lemas ou divisas, ainda que de carácter publicitário, se se revestirem de originalidade;
n) Paródias e outras composições literárias ou musicais, ainda que inspiradas num tema ou motivo de outra obra.
2 - As sucessivas edições de uma obra, ainda que corrigidas, aumentadas, refundidas ou com mudança de título ou de formato, não são obras distintas da obra original, nem o são as reproduções de obra de arte, embora com diversas dimensões.

Artigo 3.º
Obras equiparadas a originais
1 - São obras equiparadas a originais:
a) As traduções, arranjos, instrumentações, dramatizações, cinematizações e outras transformações de qualquer obra, ainda que esta não seja objecto de protecção;
b) Os sumários e as compilações de obras protegidas ou não, tais como selectas, enciclopédias e antologias que, pela escolha ou disposição das matérias, constituam criações intelectuais;
c) As compilações sistemáticas ou anotadas de textos de convenções, de leis, de regulamentos e de relatórios ou de decisões administrativas, judiciais ou de quaisquer órgãos ou autoridades do Estado ou da Administração.
2 - A protecção conferida a estas obras não prejudica os direitos reconhecidos aos autores da correspondente obra original.

No artigo 2º, alínea h, vêm referidas as obras fotográficas como abrangidas pelas disposições deste código. A palavra "nomeadamente" indica sempre uma enumeração meramente exemplificativa e não taxativa. Pelo que, no artigo 7º o âmbito de aplicação é definido negativamente:

Artigo 7.º
Exclusão de protecção
1 - Não constituem objecto de protecção:
a) As notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgados;
b) Os requerimentos, alegações, queixas e outros textos apresentados por escrito ou oralmente perante autoridades ou serviços públicos;
c) Os textos propostos e os discursos proferidos perante assembleias ou outros órgãos colegiais, políticos e administrativos, de âmbito nacional, regional ou local, ou em debates públicos sobre assuntos de interesse comum;
d) Os discursos políticos.
2 - A reprodução integral, em separata, em colectânea ou noutra utilização conjunta, de discursos, peças oratórias e demais textos referidos nas alíneas c) e d) do n.º 1 só pode ser feita pelo autor ou com o seu consentimento.
3 - A utilização por terceiro de obra referida no n.º 1, quando livre, deve limitar-se ao exigido pelo fim a atingir com a sua divulgação.
4 - Não é permitida a comunicação dos textos a que se refere a alínea b) do n.º 1 quando esses textos forem por natureza confidenciais ou dela possa resultar prejuízo para a honra ou reputação do autor ou de qualquer outra pessoa, salvo decisão judicial em contrário proferida em face de prova da existência de interesse legítimo superior ao subjacente à proibição.

Como nem a definição positiva, nem a definição negativa do âmbito de protecção é taxativa, o legislador deixa em aberto que outros direitos de autor sejam também passíveis de protecção, conquanto a lei não o infirme.

Uma foto de uma moeda é uma obra fotográfica?

Eu penso que não. O preâmbulo explica bem o elemento teleológico deste código. Protegem-se criações artísticas. E o artigo 164º tem uma diposição muito interessante:

Artigo 164.º
Condições de protecção
1 - Para que a fotografia seja protegida é necessário que pela escolha do seu objecto ou pelas condições da sua execução possa considerar-se como criação artística pessoal do seu autor.
2 - Não se aplica o disposto nesta secção às fotografias de escritos, de documentos, de papéis de negócios, de desenhos técnicos e de coisas semelhantes.
3 - Consideram-se fotografias os fotogramas das películas cinematográficas.

Não há naturalmente jurisprudência sobre o tema, porque ninguém vai gastar balúrdios em Tribunal com uma questão que, adivinho, se aparecesse a um Juíz, só o deixaria indisposto, no meio de tantos processos que tem para despachar e acerca de coisas tão mais importantes...

No entanto, conceda-se... Caso uma foto de uma moeda seja protegida por este código, como ficamos em termos de regime jurídico?

Artigo 165.º
Direitos do autor de obra fotográfica
1 - O autor da obra fotográfica tem o direito exclusivo de a reproduzir, difundir e pôr à venda com as restrições referentes à exposição, reprodução e venda de retratos e sem prejuízo dos direitos de autor sobre a obra reproduzida, no que respeita às fotografias de obras de artes plásticas.
2 - Se a fotografia for efectuada em execução de um contrato de trabalho ou por encomenda, presume-se que o direito previsto neste artigo pertence à entidade patronal ou à pessoa que fez a encomenda.
3 - Aquele que utilizar para fins comerciais a reprodução fotográfica deve pagar ao autor uma remuneração equitativa.

Não passa em claro a intenção do legislador quando numas normas se refere a "fotografias" e noutras se refere a "obras fotográficas". São os tais preciosismos da lei, que podem levar os menos atentos a lapsos de interpretação. Por um lado fala-se de fotografias, disciplinando quando as mesmas são protegidas. Por outro, fala-se em "obras fotográficas". Parece que o próprio legislador entende que uma obra fotográfica e uma fotografia serão conceitos jurídicos distintos.

Como norma geral, temos que apenas o autor da obra fotográfica a pode reproduzir, difundir e pôr à venda.

Avancemos...

Artigo 167.º
Indicações obrigatórias
1 - Os exemplares de obra fotográfica devem conter as seguintes indicações:
a) Nome do fotógrafo;
b) Em fotografia de obras de artes plásticas, o nome do autor da obra fotografada.
2 - Só pode ser reprimida como abusiva a reprodução irregular das fotografias em que figurem as indicações referidas, não podendo o autor, na falta destas indicações, exigir as retribuições previstas no presente Código, salvo se o fotógrafo provar má-fé de quem fez a reprodução.

Percebemos agora que, ainda que uma foto de uma moeda fosse considerada uma "obra fotográfica", teria que obedecer a certos requisitos para que fosse alvo de protecção jurídica. A marca de água com o nome do autor da foto (não o de quem possui a moeda), naturalmente que encaixa nesses requisitos.

Ou seja, caso se considere que uma foto de uma moeda é uma obra fotográfica, apenas com a indicação do nome do autor patente na mesma se lhe aplica este regime jurídico.

Continuemos...

Artigo 189.º
Utilizações livres
1 - A protecção concedida neste título não abrange:
a) O uso privado;
b) Os excertos de uma prestação, um fonograma, um videograma ou uma emissão de radiodifusão, contanto que o recurso a esses excertos se justifique por propósito de informação ou crítica ou qualquer outro dos que autorizam as citações ou resumos referidos na alínea g) do n.º 2 do artigo 75.º;
c) A utilização destinada a fins exclusivamente científicos ou pedagógicos;
d) A fixação efémera feita por organismo de radiodifusão;
e) As fixações ou reproduções realizadas por entes públicos ou concessionários de serviços públicos por algum interesse excepcional de documentação ou para arquivo;
f) Os demais casos em que a utilização da obra é lícita sem o consentimento do autor.
2 - A protecção outorgada neste capítulo ao artista não abrange a prestação decorrente do exercício de dever funcional ou de contrato de trabalho.
3 - As limitações e excepções que recaem sobre o direito de autor são aplicáveis aos direitos conexos, em tudo o que for compatível com a natureza destes direitos.

Aqui aparece uma cláusula de excepção. E as normas excepcionais, como dita a teoria geral do direito civil, não podem ser objecto de interpretação "a contrario". Define-se claramente que, para fins científicos ou pedagógicos, a protecção não opera. Poder-se-à entender que este artigo não se aplica às obras fotográficas, mas apenas às prestações artísticas. Ainda assim, outras cláusulas de excepção existem. Senão vejamos:

CAPÍTULO II
Da utilização livre
Artigo 75.º
Âmbito
1 - São excluídos do direito de reprodução os actos de reprodução temporária que sejam transitórios, episódicos ou acessórios, que constituam parte integrante e essencial de um processo tecnológico e cujo único objectivo seja permitir uma transmissão numa rede entre terceiros por parte de um intermediário, ou uma utilização legítima de uma obra protegida e que não tenham, em si, significado económico, incluindo, na medida em que cumpram as condições expostas, os actos que possibilitam a navegação em redes e a armazenagem temporária, bem como os que permitem o funcionamento eficaz dos sistemas de transmissão, desde que o intermediário não altere o conteúdo da transmissão e não interfira com a legítima utilização da tecnologia conforme os bons usos reconhecidos pelo mercado, para obter dados sobre a utilização da informação, e em geral os processos meramente tecnológicos de transmissão.
2 - São lícitas, sem o consentimento do autor, as seguintes utilizações da obra:
a) A reprodução de obra, para fins exclusivamente privados, em papel ou suporte similar, realizada através de qualquer tipo de técnica fotográfica ou processo com resultados semelhantes, com excepção das partituras, bem como a reprodução em qualquer meio realizada por pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos;
b) A reprodução e a colocação à disposição do público, pelos meios de comunicação social, para fins de informação, de discursos, alocuções e conferências pronunciadas em público que não entrem nas categorias previstas no artigo 7.º, por extracto ou em forma de resumo;
c) A selecção regular de artigos de imprensa periódica, sob forma de revista de imprensa;
d) A fixação, reprodução e comunicação pública, por quaisquer meios, de fragmentos de obras literárias ou artísticas, quando a sua inclusão em relatos de acontecimentos de actualidade for justificada pelo fim de informação prosseguido;
e) A reprodução, no todo ou em parte, de uma obra que tenha sido previamente tornada acessível ao público, desde que tal reprodução seja realizada por uma biblioteca pública, um arquivo público, um museu público, um centro de documentação não comercial ou uma instituição científica ou de ensino, e que essa reprodução e o respectivo número de exemplares se não destinem ao público, se limitem às necessidades das actividades próprias dessas instituições e não tenham por objectivo a obtenção de uma vantagem económica ou comercial, directa ou indirecta, incluindo os actos de reprodução necessários à preservação e arquivo de quaisquer obras;
f) A reprodução, distribuição e disponibilização pública para fins de ensino e educação, de partes de uma obra publicada, contando que se destinem exclusivamente aos objectivos do ensino nesses estabelecimentos e não tenham por objectivo a obtenção de uma vantagem económica ou comercial, directa ou indirecta;
g) A inserção de citações ou resumos de obras alheias, quaisquer que sejam o seu género e natureza, em apoio das próprias doutrinas ou com fins de crítica, discussão ou ensino, e na medida justificada pelo objectivo a atingir;
h) A inclusão de peças curtas ou fragmentos de obras alheias em obras próprias destinadas ao ensino;
i) A reprodução, a comunicação pública e a colocação à disposição do público a favor de pessoas com deficiência de obra que esteja directamente relacionada e na medida estritamente exigida por essas específicas deficiências e desde que não tenham, directa ou indirectamente, fins lucrativos;
j) A execução e comunicação públicas de hinos ou de cantos patrióticos oficialmente adoptados e de obras de carácter exclusivamente religioso durante os actos de culto ou as práticas religiosas;
l) A utilização de obra para efeitos de publicidade relacionada com a exibição pública ou venda de obras artísticas, na medida em que tal seja necessário para promover o acontecimento, com exclusão de qualquer outra utilização comercial;
m) A reprodução, comunicação ao público ou colocação à disposição do público, de artigos de actualidade, de discussão económica, política ou religiosa, de obras radiodifundidas ou de outros materiais da mesma natureza, se não tiver sido expressamente reservada;
n) A utilização de obra para efeitos de segurança pública ou para assegurar o bom desenrolar ou o relato de processos administrativos, parlamentares ou judiciais;
o) A comunicação ou colocação à disposição de público, para efeitos de investigação ou estudos pessoais, a membros individuais do público por terminais destinados para o efeito nas instalações de bibliotecas, museus, arquivos públicos e escolas, de obras protegidas não sujeitas a condições de compra ou licenciamento, e que integrem as suas colecções ou acervos de bens;
p) A reprodução de obra, efectuada por instituições sociais sem fins lucrativos, tais como hospitais e prisões, quando a mesma seja transmitida por radiodifusão;
q) A utilização de obras, como, por exemplo, obras de arquitectura ou escultura, feitas para serem mantidas permanentemente em locais públicos;
r) A inclusão episódica de uma obra ou outro material protegido noutro material;
s) A utilização de obra relacionada com a demonstração ou reparação de equipamentos;
t) A utilização de uma obra artística sob a forma de um edifício, de um desenho ou planta de um edifício para efeitos da sua reconstrução ou reparação.
u) A reprodução e a colocação à disposição do público de obras órfãs, para fins de digitalização, indexação, catalogação, preservação ou restauro e ainda os atos funcionalmente conexos com as referidas faculdades, por parte de bibliotecas, estabelecimentos de ensino, museus, arquivos, instituições responsáveis pelo património cinematográfico ou sonoro e organismos de radiodifusão de serviço público, no âmbito dos seus objetivos de interesse público, nomeadamente o direito de acesso à informação, à educação e à cultura, incluindo a fruição de bens intelectuais.
3 - É também lícita a distribuição dos exemplares licitamente reproduzidos, na medida justificada pelo objectivo do acto de reprodução.
4 - Os modos de exercício das utilizações previstas nos números anteriores não devem atingir a exploração normal da obra, nem causar prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor.
5 - É nula toda e qualquer cláusula contratual que vise eliminar ou impedir o exercício normal pelos beneficiários das utilizações enunciadas nos n.os 1, 2 e 3 deste artigo, sem prejuízo da possibilidade de as partes acordarem livremente nas respectivas formas de exercício, designadamente no respeitante aos montantes das remunerações equitativas.

Leiam o artigo, é mais fácil. Em especial, no que a putativas "obras fotográficas" consubstanciadas em fotos de moedas diz respeito, os artigos 2º alíneas b, d, e, f e o, 3º, 4º e 5º.

E agora vamos pensar em interesses patrimoniais e no prejuízo que uma reprodução e distribuição de uma fotografia, retirando a marca de água, para esclarecer se uma moeda é falsificada, causa ao autor da "obra"?

Pensem.

Depois vamos ainda perceber o que é o abuso de direito, através de uma disposição, desta feita, do Código Civil:

Artigo 334.º
(Abuso do direito)
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

O abuso de direito é muito complexo. Talvez menos nos últimos dez anos, porque finalmente no Supremo se começou a dar ouvidos ao Professor Menezes Cordeiro, que importou a doutrina Alemã e balizou o conceito de forma científica. Até há dez anos o abuso de direito ainda era uma coisa "mais ou menos balizada" em questões muito subjectivas. Recorrendo à escola Alemã, torna-se tudo muito certo, haja capacidade. Tutela de confiança legítima>Situação de confiança>investimento de confiança>imputação da confiança>primazia da materialidade subjacente.

A esta primazia da materialidade subjacente, chamava a Professora Maria dos Prazeres Beleza de "Princípio da Prevalência do Fundo Sobre a Forma". E é tão importante... às vezes as pessoas lêm a lei e pensam que "é assim, é assim"... Mas não... Porque ninguém pode usar um direito (ainda que dele seja titular) para afectar uma situação de confiança legítima, que tenha implicado um investimento (e estamos a falar de esforço, não de injecção de capital) que lhe seja imputável. O "venire contra factum proprium, a exceptio doli, o supressio e surrectio e o tu quoque será a delimitação negativa do istituto do abuso de direito. Mas não vamos entrar nela, não nos interessa...

Para ser mais fácil e voltarmos ao período em que a Professora Maria dos Prazeres Beleza não era Juíza Conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, digamos que:

"Ainda que uma fotografia de uma moeda fosse uma obra fotográfica ou uma criação artística, caso alguém a partilhasse sem consentimento do autor, para fins exclusivamente científicos ou pedagógicos (e perceber se uma moeda é falsificada, a não ser considerado um fim científico, terá sempre que ser considerado um fim pedagógico), sem com isso obter nenhuma vantagem patrimonial e não causando qualquer prejuízo patrimonial ao autor, que não o que já lhe assiste (ser dono de uma moeda falsificada, pensando que é dono de uma moeda original), não estaria o autor, ao fazer uso das normas que o protegem, a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e, especialmente, pelo fim social e económico do referido direito? O mesmo se diga de uma reacção contra a retirada de uma marca de água de uma moeda...

O direito é uma ciência. Que valoriza pressupostos éticos. O equilíbrio entre os interesses individuais e sociais poderia ser definido por um qualquer concílio de anciãos, reunidos em torno de uma fogueira. Mas não foi assim que a humanidade evoluiu... Fizeram-se leis, adoptaram-se princípios democráticos e representativos e, por mais que não gostemos delas, acredite-se que este sistema funciona, haja bons legisladores, intérpretes e aplicadores. E haja meios económicos para ter funcionários e magistrados em número suficiente para se poderem estudar com ponderação, profundidade e rigor todas as causas.

A questão da partilha de fotos de moedas que estão à venda, para efeitos de revenda por parte de quem as partilha e não é, nem dono da foto nem dono da moeda, será outra. Penalmente, crime de burla. Civilmente, venda de coisa alheia.

Não vou responder a este tópico, porque não me quero deixar enredar por impulsos. O que vos posso dizer, da minha lavra, está dito. Posso não ter razão, tudo bem... Se não concordarem, metam-me em Tribunal no dia em que eu partilhar centenas de fotos que não são minhas e de moedas que não são minhas, para fins científicos. Está bem próximo o primeiro desses dias. No demais, cumpre-me participar da forma que sei e posso. Progrida a numismática e o coleccionismo. E que nos possamos entender todos com bom senso. Isto das moedas é uma grande corrente. Se puxarmos todos para o mesmo lado (coleccionadores e vendedores) acabamos por beneficiar todos. As moedas falsificadas têm que ser identificadas. Ninguém ganha a longo prazo com a proliferação de falsificações. A credibilidade vai ao ar. As pessoas assustam-se e fogem. Tudo piora. Se isto se lavar (e está a ficar lavado, porque as coisas evidentes deixaram de aparecer em público) a longo prazo todos ficaremos mais contentes. Acreditem!



RubenGMelo
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Re: Fotografias de moedas - Regime jurídico

#2 Mensagem por RubenGMelo » domingo jul 16, 2017 9:26 am

Isto de imagens, documentos e afins, na internet dá muito que falar! Já li decisões judiciais que divergem muito!

É um tema pertinente mas muito, muito, muito polémico!
Cumprimentos,

Ruben Melo

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Re: Fotografias de moedas - Regime jurídico

#3 Mensagem por fernanrei » domingo jul 16, 2017 9:50 am

Palavras sábias com excelente conteúdo sem dúvida, mas a justiça é e sempre será, a conclusão de uma relação multidisciplinar de factos ocorridos em circunstâncias muito próprias, analisados por pessoas com esse direito e julgados por outros com o mesmo poder acrescido pela responsabilidade de concluir sobre a forma de uma decisão o mais justo possível sem que persista a mais pequena dúvida. Neste campo dos direitos de imagem e de autor surgem sempre pormenores que dão imensa elasticidade à lei, e depois a música depende do tocador e do instrumento. Não posso deixar de elogiar o trabalho do caro ilustre mas não há muitas pessoas capazes de compreender aquilo que o senhor visualiza com naturalidade. Cumprimentos.
"Quod erat demonstrandum"

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Re: Fotografias de moedas - Regime jurídico

#4 Mensagem por soga80 » domingo jul 16, 2017 10:33 am

Pois interessante...li bem...

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Re: Fotografias de moedas - Regime jurídico

#5 Mensagem por tm1950 » domingo jul 16, 2017 11:47 am

Sem conhecer a lei, eu tenho feito uma leitura e tenho tido uma prática muito próximas daquilo que o Iúri referiu.
Utilizar imagens que aparecem na net para fins de discussão, divulgação da informação, ou procura do conhecimento, sem fins lucrativos, não acho normal que possa ser considerado crime de usurpação de direitos de autor. Muitas das vezes as imagens são o oposto da "criação artística".
Utilizar imagens das minhas notas para as colocar à venda (como já aconteceu) e daí obter benefícios financeiros, já me parece uma ilicitude grave que carece de punição.
Celso.
Saúde e Fraternidade.
Os meus leilões

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Re: Fotografias de moedas - Regime jurídico

#6 Mensagem por numisiuris » domingo jul 16, 2017 12:43 pm

Caro Celso, como me aponta o tipo penal, concedo como me comprometi e só por isso venho tecer mais um comentário. Escapou-me o crime. Muito para fazer ao mesmo tempo e não sou de modo algum especializado em direitos de autor. Já tive uma contrafacção. Usurpação nunca tive. De qualquer modo, e a trica está aí, não há tutela penal sem haver tutela civil. O contrário, sim, já sucede. Poderíamos analisar os elementos subjectivos do tipo. Mas tudo o que expliquei preclude está análise. Pelo que, vistas as coisas, continua correcto dizer que não existe tutela penal relativamente à partilha da foto de uma moeda nas condições em que a concebi. O único "qui pro quo" é aquele que, muito correctamente, o amigo Fernando referiu. O direito é uma criação humana. E é aplicado por homens. E todos os homens têm lapsos. Mas, contra isso, nada vale a ninguém. Vou prometer a mim mesmo que não volto ao fórum, pelo menos hoje. Preciso de descansar! :)

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fernanrei
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Re: Fotografias de moedas - Regime jurídico

#7 Mensagem por fernanrei » domingo jul 16, 2017 8:32 pm

numisiuris Escreveu:Caro Celso, como me aponta o tipo penal, concedo como me comprometi e só por isso venho tecer mais um comentário. Escapou-me o crime. Muito para fazer ao mesmo tempo e não sou de modo algum especializado em direitos de autor. Já tive uma contrafacção. Usurpação nunca tive. De qualquer modo, e a trica está aí, não há tutela penal sem haver tutela civil. O contrário, sim, já sucede. Poderíamos analisar os elementos subjectivos do tipo. Mas tudo o que expliquei preclude está análise. Pelo que, vistas as coisas, continua correcto dizer que não existe tutela penal relativamente à partilha da foto de uma moeda nas condições em que a concebi. O único "qui pro quo" é aquele que, muito correctamente, o amigo Fernando referiu. O direito é uma criação humana. E é aplicado por homens. E todos os homens têm lapsos. Mas, contra isso, nada vale a ninguém. Vou prometer a mim mesmo que não volto ao fórum, pelo menos hoje. Preciso de descansar! :)
Descanse apenas o necessário meu caro, porque a sua ausência será certamente muito notada.
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Jorge Silva
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Re: Fotografias de moedas - Regime jurídico

#8 Mensagem por Jorge Silva » segunda jul 17, 2017 3:25 pm

Cumprimentos

Jorge Silva

" A medalha deve ser acarinhada como uma arte nobre da escultura ".

https://betaleiloes.net/os_meus_leiloes.php

josix
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Re: Fotografias de moedas - Regime jurídico

#9 Mensagem por josix » quarta jul 19, 2017 11:18 pm

Não me preocuparia minimamente com ameaças do género reproduzido acima, é uma tentativa vã de intimidação. Do que eu conheço de juízes, atiravam fora qualquer processo alegando "crime" de cópia de uma imagem de uma moeda para fins de estudo, e ainda iam ficar chateados com o desperdício de tempo.

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