Proposta de debate - Moeda forte - Moeda fraca

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numismatica_bentes
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Proposta de debate - Moeda forte - Moeda fraca

#1 Mensagem por numismatica_bentes » quinta ago 25, 2011 2:07 pm

Nota: Os conceitos e definições que irão surgir são de nossa inteira responsabilidade. Existindo uma confusão muito grande em torno do tema, achamos por bem dar a nossa definição a respeito de determinados termos e expressões que, apesar de aparecerem com frequência nos catálogos, carecem de definições e esclarecimentos. Dessa forma, entendemos que alguns numismatas e estudiosos do assunto possam discordar dessas definições. Justamente por isso, propomos uma revisão do tema, expondo o assunto como uma tese a ser debatida. Outrossim, gostaríamos de, ao fim do debate, estabelecer, de uam vez por todas, um glossário sobre o assunto, a fim de que no futuro, os iniciantes não fiquem tão "perdidos" com tantas informações contraditórias.

Diz-se da moeda fraca (ou padrão fraco): "...para um mesmo peso de metal, um maior valor nas moedas coloniais em relação às metropolitanas..."

Acreditamos que alguns conceitos se tenham consolidado na numismática, justamente por usarem como referência temas da atualidade. Assim, ao que tudo indica, as expressões moeda fraca e moeda forte, estão mais associadas ao câmbio do que propriamente com o que acontecia na época, quando as moedas não gozavam do mesmo poder circulatório de hoje.

Vamos ao texto:

Quando Pedro Álvares Cabral chegou ao litoral da Bahia, era rei de Portugal D. Manuel. A partir do descobrimento do Brasil, com o passar dos anos, aos poucos foi sendo criada a nossa unidade monetária.

A princípio, exploradores, degredados, piratas, aventureiros e mercenários chegavam quase sempre de passagem. À exceção dos criminosos e exilados, a maioria pouco tempo permanecia na terra recém-descoberta. O comércio de então praticamente inexistia e, provavelmente, quem por ali passava, apenas se beneficiava da abundância da terra para suprir suas naus de víveres, água, frutas e, eventualmente, praticar algum “escambo” com os nativos locais. Dali partiam para as aventuras de além-mar, provavelmente a caminho das Índias, tida como lugar de comércio, muitas especiarias e outros produtos manufaturados.

A partir de então muito tempo se passou; até que os primeiros povoados - se é que poderiam ser chamados assim, pois na verdade eram apenas algumas habitações muito rudes, feitas de pau-a-pique, palha, barro, etc - começassem a surgir na nova terra; com grande probabilidade, criados pela necessidade dos que ali chegavam sem muitas opções. Era o caso dos exilados por motivos políticos, delinquentes condenados por crimes comuns ou homens que fugiam de um castigo mais severo por terem praticado delitos graves.

Com o tempo a Colônia foi crescendo e, devido ao florescente comércio do pau-brasil, mais e mais homens foram chegando, a essa altura acompanhados de amigos e inteiros grupos familiares.

Devido a pouca infra-estrutura, sequer se cogitava de ali cunhar moeda. Mesmo porque, as que eram trazidas pelos viajantes cumpriam com seu papel nas poucas transações comerciais envolvendo numerário metálico. Com a gente que chegava e se instalava, o comércio cresceu e as “moedas estrangeiras nômades” que antes chegavam de passagem, com o tempo foram “sedentarizando”. O ouro não circulava no comércio comum; era destinado às transações nas Metrópoles, geralmente se prestando aos negócios da Corte. Por outro lado, a prata abundava. A proximidade com as minas de Potosi, explorada pelos espanhóis, facilitava o fluir do metal, fosse bruto ou amoedado nas oficinas hispânicas.

A bem da verdade, foram os holandeses a dar início ao processo, quando durante a ocupação do litoral de Pernambuco, em situação de cerco, cunharam as primeiras moedas com o nome Brasil, num primeiro momento em ouro e, seguidamente, em prata.

A partir de 1643, sucessivas evoluções históricas e monetárias aconteceram durante os reinados de D. João IV e D. Afonso VI que, juntamente com D. Pedro II e D. João V, estão intimamente ligados à numismática brasileira.

Os dois primeiros foram os responsáveis pelas sucessivas mudanças que deram origem à nacionalização da moeda. Através de Alvarás, Decretos e Leis, com seus carimbos, criaram o esboço de um projeto que teria impulso durante o governo de D. Pedro II, o fundador das primeiras Casas Monetárias no nascente Estado do Brasil, a cujo povo passou a conceder, graças à sua magnanimidade e generosidade, a soberania nacional.

Os três primeiros reis não adotaram a efígie nas suas moedas. A prioridade dessa iniciativa, no Brasil, coube a D. João V, reinado em que foram cunhados os mais belos exemplares, principalmente aqueles em ouro. Foi durante o seu governo que fabricaram a mais vultosa, e uma das mais belas moedas de ouro, com peso acima de 50 gramas, algo nunca realizado ou jamais.

Como se pode intuir desse texto, a nossa numismática teve início com as moedas cunhadas pelos holandeses e com as contramarcas aplicadas em moedas hispânicas e portuguesas, inicialmente por D. João IV, seguidamente por D. Afonso VI e, finalmente, por D. Pedro (regência e início do reinado) que foi o responsável, também, pela criação das primeiras Casas Monetárias na terra recém-descoberta.

Estes carimbos eram batidos na prata (moedas hispânicas e portuguesas), e em moedas de ouro portuguesas, com finalidades específicas, contidas em documentos comprobatórios. A carimbagem era um processo rude, executado manualmente em oficinas, aplicados individualmente, a golpes de martelo.

Com D. Pedro II, em 1695, tem início no Brasil a cunhagem mecânica, em ouro e prata, na Casa da Moeda da Bahia, a primeira delas. No metal nobre foram cunhadas moedas coloniais de 1000, 2000 e 4000 réis e, na prata, moedas igualmente coloniais, nos valores 20, 40, 80, 160, 320 e 60 réis.

A partir daqui, iniciamos nossa tese:

MOEDA NACIONAL - É aquela cunhada para circular tanto em Portugal, como nas suas colônias. Algumas moedas cunhadas em Portugal, e mesmo algumas cunhadas em suas colônias, tinham autorização expressa para circular em todo o reino ou em grande parte dele. Para um melhor entendimento, usaremos como exemplo a primeira moeda de ouro (de maior valor), cunhada com a abertura da primeira Casa da Moeda do Brasil, na Bahia. Essa moeda foi uma das primeiras de ouro a ser cunhada mecanicamente. O novo padrão foi criado durante o período de regência de D. Pedro, tendo sido fabricada, inicialmente, com o peso de 10,76 gramas em Portugal e 8,16 gramas no Brasil.

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Figura: Essa moeda circulava somente em Portugal, não podendo circular nas colônias. D. Pedro Príncipe Regente, 4$000 réis 1678, Lisboa (muito rara). Diâmetro: 30 mm, peso: 10,76 gramas. Até 4 de agosto de 1678, corria pelo valor facial, ou seja 4$000 réis. Trata-se de moeda metropolitana que só podia circular em Portugal. Porém, evidentemente, era aceita em qualquer nação pelo seu valor extrínseco, à razão de 1$333 réis a oitava (3,5856 gramas).


Calculando o valor real da moeda acima:

Nessa época (1678), o ouro ainda era negociado por valores próximos a 1$333 réis (mil trezentos e trinta e dois réis) a oitava que em termos de unidade antiga de Portugal, correspondia a 3,5856 gramas.

Assim, dividindo 1$333 réis por 3,5856; teremos o preço de 1 grama do ouro naquele período:

1$333 : 3,5856 = 371,75

que seria o preço aproximado do grama do ouro (371,75 réis o grama)

Multiplicando 371,75 pelo peso da moeda (10,76 gramas), chegamos ao seu valor intrínseco (aquele que corresponde à quantidade em ouro), nesse caso, compatível com o valor extrínseco que é aquele que aparece estampado sobre a moeda:

371,75 x 10,76 = 4$000 réis


Ao assumir o poder em 1683, como D. Pedro II, a inflação já se fazia sentir no reino, fazendo com que o preço do ouro aumentasse de valor, chegando a ser negociado por 1$600 réis a oitava, por volta de 1687.
Isso fez com que um ajuste fosse necessário no valor extrínseco da moeda, para que ficasse de acordo com o que carregava de peso em ouro (valor intrínseco).

Assim, pelo mesmo procedimento adotado anteriormente, temos:

1$600 : 3,5856 = 446,23

que seria o preço aproximado do grama do ouro em 1687.

Novamente, agora multiplicando 446,23 pelo peso da moeda (10,76 gramas), chegamos ao seu valor intrínseco (aquele que corresponde à quantidade em ouro), nesse caso, incompatível com o valor extrínseco que é aquele que aparece estampado sobre a moeda:

446,23 x 10,76 = 4$801 réis

O que fez com que D. Pedro II reajustasse, com a Lei de 4 de agosto de 1688, o valor da moeda de 4$000 réis que passou a circular por 4$800 réis, mesmo mantendo estampado o valor 4000.

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Figura: Essa moeda circulava somente em Portugal, não podendo circular nas colônias. Casa da Moeda de Lisboa - D. Pedro II - 4$000 réis (valro estampado) 1690. Essa, ou qualquer outra moeda de 4$000 réis, de peso 10,76 gramas, circulava valendo 4$800 réis, a partir da Lei de 4 de agosto de 1688. Da mesma forma, trata-se de moeda metropolitana que só podia circular em Portugal.

Quando criaram a Casa da Moeda da bahia, em 1695, o valor do ouro havia subido para o preço aproximado de 1$760 réis a oitava. Assim, a fim de que os valores extrínseco e intrínseco da moeda fossem equivalentes, no Brasil, o 4$000 começou a ser cunhado com o peso de 8,16 e com um diâmetro inferior de 3 mm, em relação à moeda cunhada na metrópole que contava com 30mm.

Assim, pelo mesmo procedimento adotado anteriormente, temos:

1$760 : 3,5856 = 490,8

que seria o preço aproximado do grama do ouro em 1687.

Novamente, agora multiplicando 490,8 pelo peso da moeda cunhada na Bahia, a partir de 1695, (18,16 gramas), chegamos ao seu valor intrínseco (aquele que corresponde à quantidade em ouro), nesse caso, compatível com o valor extrínseco que é aquele que aparece estampado sobre a moeda:

490,8 x 8,16 = 4$000 réis aproximadamente

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Figura: Essa moeda circulava somente no Brasil, não podendo circular em Portugal. D. Pedro Príncipe Regente, 4$000 réis 1696, Casa da Moeda da Bahia. Diâmetro: 27 mm, peso: 8,16 gramas. Foi cunhada nesse mesmo padrão no Rio de Janeiro, em 1699 e 1700; e em Pernambuco, em 1702, sempre sem letra monetária.
Tratam-se de moedas coloniais, sendo vedada sua circulação na Metrópole. Porém, sendo moeda de ouro, certamente eram aceitas, pelo seu valor intrínseco, em qualquer parte do mundo.


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Figura: Essa moeda circulava no Brasil e em Portugal. D. Pedro Príncipe Regente, 4$000 réis 1703, Casa da Moeda do Rio de Janeiro. Diâmetro: 30 mm, peso: 10,76 gramas. Foi cunhada nesse mesmo padrão das moedas portuguesas, diferenciada apenas pela letra monetária R.
Assim, como os 4$000 réis portugueses cunhados naquele período, circulava pelo seu valor intrínseco (4$800 réis), tanto no Brasil, como em Portugal.
Trata-se, assim, de moeda nacional, tendo livre circulação em todo reino (colônia e Metrópole).

Dessa forma, podemos continuar, firmando mais alguns conceitos (nosso tese e proposta de mudança, como já foi esclarecido) até então um pouco confusos, pecando por pouca informação, e sem opinião unânime no meio numismático.
Será importante, também, definir o conceito de moeda forte e moeda fraca, que tinham significados diferentes daqueles como hoje compreendemos e que, por isso, tem gerado alguma confusão entre os numismatas.

MOEDA COLONIAL - É aquela cunhada para circular somente nas colônias (algumas ou todas), não sendo autorizada sua circulação em Portugal. No caso do Brasil, tinham valor legal em todo o território. Eram cunhadas nas colônias ou na própria Metrópole.

MOEDA PROVINCIAL - É aquela cunhada para circulação restrita numa determinada Província. Podia ser cunhada na própria Província a que se destinava, em outra diversa, em outra colônia ou mesmo na Metrópole. Pode ser considerada uma moeda regional. Tinha o caráter de moeda fraca por possuir circulação restrita dentro do território nacional. É considerada moeda regional.

MOEDA REGIONAL - Diferentemente da moeda provincial que pode ser adjetivada de regional, esta não pode ser confundida com moeda provincial. É cunhada para circular numa dterminada região que pode abranger uma ou mais Províncias. Toda moeda provincial é regional, mas nem toda moeda regional é provincial. Seja como for, é moeda fraca.

MOEDA METROPOLITANA - Diz-se da moeda cunhada na principal Casa Monetária da Metrópole (por exemplo, 8 reales “M coroado” de Madrid), localizada, em geral, na capital; no nosso caso Lisboa. De acordo com a necessidade, poderia ser autorizada para as colônias.

Obs: Com o segundo sistema (1833-1848), foram extintos aquele provincial (também chamado de sistema fraco) e o nacional do período colonial (forte). A cunhagem foi centralizada na Casa da Moeda do Rio de Janeiro e unificou-se o padrão ouro, criando-se a moeda de 10$000 réis, com a efígie de D. Pedro II, ainda menino. Distingue-se dos demais por ter sido o primeiro sistema genuinamente brasileiro. Tem início a cunhagem do Brasil como nação (nova moeda nacional)


Moeda forte - Moeda fraca

É importante entender que o atual conceito de Moeda Forte e Moeda Fraca refere-se à taxa de câmbio de uma moeda em relação à outra, e não ao seu poder de compra doméstico ou às restrições impostas à sua circulação, o que acontecia frequentemente no Brasil colonial.

Vivemos em um mundo em que, atualmente, cada país possui seu próprio “papel pintado”, funcionando como moeda de troca. Todos esses “papéis” flutuam entre si no mercado financeiro internacional e, por ação do mecanismo de oferta e procura, o preço de um é determinado em relação ao outro. A esse preço se dá o nome de taxa de câmbio.

O câmbio, apesar de muito se ouvir a repeito, não é um privilégio dos tempos atuais. No nosso caso, existe desde o descobrimento, particularmente influenciando nossa economia a partir de 1695, quando foram cunhadas as primeiras moedas no Brasil, na Casa da Moeda da Bahia.

Os economistas liberais da nova era dizem que “câmbio flutuante” é sinônimo de “livre mercado”. Mesmo que não houvesse absolutamente nenhuma intervenção dos governos no “mercado de câmbio”, a simples existência de taxas flutuantes entre diferentes áreas geográficas já configura uma política intervencionista.

Afinal, um genuíno sistema monetário de livre mercado não deveria possuir flutuações baseadas em fronteiras nacionais.

Uma vez determinada a “taxa de câmbio”, o conceito de Moeda Forte e Moeda Fraca torna-se muito importante. Por exemplo, há um ano US$1,00 custava aproximadamente R$2,15. Atualmente (estamos falando de setembro de 2011) US$1,00 custa aproximadamente R$1,60. Nesse período o Real valorizou em relação ao Dólar, o que significa que a nossa moeda se fortaleceu perante a americana, ou seja, o Dólar se enfraqueceu perante o Real. Porém, ainda assim, o Dólar continua mais forte que o Real, pois com US$1,00 pode-se compra R$1,60, ao passo que com R$1,00 compramos só US$0,63.

Quando se considera o comércio internacional, moedas fortes e fracas podem ser boas ou ruins. Por exemplo, uma moeda considerada forte em relação a outros países é boa para os consumidores de seu país de origem, pois ela faz com que as importações e as viagens ao exterior, sejam mais baratas. Ser forte significa que ela é capaz de comprar mais unidades da moeda de um determinado país. Por exemplo, um produto que custa US$100,00, custava R$215,00 no ano passado e hoje custa R$160,00. O Real se fortaleceu em relação ao Dólar.

Por outro lado, uma moeda forte é ruim para as empresas que exportam, pois ela faz com que seus produtos fiquem mais caros no exterior. Por exemplo, um produto que custa R$100,00, custava US$46,00 no ano passado e hoje custa US$62,50. Assim, se o exportador quiser manter o mesmo preço de US$ 46,00, ele receberá apenas R$73,60 na cotação atual do Dólar. Em ambos os casos, menor volume de vendas ou menores preços, os exportadores terão menores receitas. O raciocínio é exatamente o oposto para uma moeda fraca.

Portanto, uma moeda fraca não necessariamente significa uma moeda “moribunda”. Ela pode ser fraca em relação a outra moeda, porém manter um alto e estável poder de compra dentro de seu país (no Chile temos um bom exemplo disso).


Apesar de existir na época do Brasil Colônia, não é o câmbio a definir o conceito de Moeda forte e Moeda Fraca a que tanto nos referimos em publicações numismáticas. É lógico que o conceito existia e persiste, mas “numismaticamente” falando, a nós serve conhecer o poder de abrangência de circulação de uma determinaad moeda. Sendo provincial, a exemplo de algumas moedas cunhadas para circular em Minas Gerais, Maranhão, Goiás, etc, é considerada moeda fraca, tendo como referência o nosso inteiro território.
Já a moeda nacional, a exemplo do 4$000 cunhado no Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais entre 1703 e 1727, é moeda forte, valendo não só em todo território brasileiro, mas também com poder de circulação na metrópole.

D. João V, por exemplo, cunhou essa moeda em dois padrões; o forte, no Rio de Janeiro, de 1707 a 1727; na Bahia, de 1714 a 1727 e em Minas Gerais, de 1724 a 1727, com 30 mm de diâmetro e 10,75 gramas de peso.
Também a cunhou no padrão fraco, numa única data (1749), na Casa da Moeda de Lisboa, para circular exclusivamente no Maranhão (moeda provincial), com diâmetro 27 mm e peso igual a 8,06 gramas.



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