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Mensagem
por Augusto Mouta » quarta nov 12, 2008 7:52 pm
Meu caro João Silva
Obrigado por se lembrar da minha frase: de facto, não há moedas da Monarquia ou da Antiguidade que nunca tenham sido limpas, desde logo no acto de serem achadas.
Entendo que não deve haver preconceitos a este respeito, apenas informação científica e técnica, que até se encontra disponível: é a velha máxima, procura e encontrarás. Se não procurares, também não encontrarás...
Cada um deve inteirar-se perfeitamente da natureza da sujidade, dos metais e da liga de que a moeda é feita, e apenas em caso de ter segurança nos utensílios, produtos químicas ou tecnologias, deve avançar-se para qualquer acto de limpeza.
E não esquecer que a limpeza é muitas vezes a salvação da moeda, pois há agentes que actuam permanentemente atá dar fim à moeda, a menos que sejam removidos. É o caso de alguns verdetes, que não são estáveis, e de depósitos ácidos como o do suor das mãos, que corroem as superfícies "flor de cunho" não tratadas.
Sabiam que uma moeda limpa com pasta de dentes e escova pode perder mais de 50% do seu valor? E que há ligas definitivamente alteradas pela utilização dos produtos em forma líquida mais correntes? É necessário de facto obter informação fidedigna acerca do que se quer fazer. E em caso de dúvida, experimentar com exemplares da mesma liga, que sejam dispensáveis.
Em meu entender, isto é um assunto muito central à Numismática, e não são apenas os numismatas que o discutem (quando a discussão é a sério).
Esta questão divide frontalmente Arqueólogos e Coleccionadores: os arqueólogos tendem a ser verdadeiramente brutais na sua abordagem, e os coleccionadores são muitas vezes em público defensores duma certa "pureza", embora em privado as coisas não sejam tão virginais.
Suponho que muitas vezes os achadores clandestinos, os do detector de metal, são mais cuidadosos que muitos Arqueólogos profissionais. Mas muitos coleccionadores escondem aquela moeda que limparam mal, à espera que ela volte a ganhar bom aspecto.
Alguém já leu aquela que é a maior obra acerca de achados em Portugal, que é o fabuloso estudo sobre as moedas achadas em Conímbriga: "Fouilles de Conimbriga III, Les Monnaies" por Isabel Pereira, Jean-Pierre Bost e Jean Hiennard, Paris 1974, que é indicado como uma das bases bibliográficas do RIC VIII ("Major sites", pág. xxiii) (e que é muito difícil de arrranjar, acreditem...)?
Pois bem, se lerem a descrição do tratamento dado a lotes de moedas romanas em cobre para se tornarem "legíveis", muitos ficarão perfeitamente arrepiados. Mas é assim que se procedia naquela época: as moedas não se destinavam a ser coleccionadas, nem a demonstrar o seu "bom aspecto", mas sim a revelar inscrições e os valores estéticos de gravação.
Como disse atrás, não deve haver preconceitos, mas cuidados e conhecimentos científicos e tecnológicos. Quem os não tenha, é preferível não mexer nas moedas.
Além disso, qualquer moeda à qual a patina tenha sido retirada, voltará com o passar do tempo a ganhar uma nova patina, necessariamente diferente da anterior, mas que lhe dará de novo beleza e valorização. Poderá ter de passar mais de um século mas tal ocorrerá. Não esquecer que em todas as épocas há modas...
Assim, uma moeda que agora parece mal por ter sido mal limpa, poderá vir a adquirir uma nova patina que lhe dê de novo qualidade - mas somente se o coleccionador / comerciante não for um "assassino de moedas" através de uma intervenção fisico-química que destrua algum aspecto essencial, quer seja a liga ou a forma.
Devemos ter sempre presente que nada neste mundo é realmente nosso: temos em depósito nas nossas mãos algo que deverá forçosamente passar, seja por venda ou doação em vida, seja por transmissão após a morte. Milhões de Numismatas anteriores a nós deixaram um legado, que em muitos casos veio sendo transmitido desde a antiguidade até aos nossos dias.
Assim, não tenhamos medo das limpezas. Tal como nós precisamos, também as moedas num momento qualquer terão de ser limpas. O que devemos fazer, é pensar em não afectar o bem que está depositado nas nossas mãos. A nossa obrigação é claramente LER e INFORMAR-NOS, e praticar em exemplares menos interessantes ou valiosos antes de "atacar" os bons.
Os nossos filhos ou netos não vão agradecer, mas as peças serão transmitidas de forma digna e atenciosa.
Assim, repito: cada um deve inteirar-se perfeitamente da natureza da sujidade, dos metais e da liga de que a moeda é feita, e apenas em caso de ter segurança nos utensílios, produtos químicas ou tecnologias, deve avançar-se para qualquer acto de limpeza.
Desculpem se mais uma vez me alonguei
AM